Solidão e pseudo-relacionamentos



Você se relaciona com muita gente e, mesmo assim, sente-se solitário? Provavelmente você está tendo este sentimento porque está apenas  pseudo-relacionando-se com todo mundo: o tratamento mutuo com estas pessoas está muito restrito - vocês só reconhecem e lidam com algumas das características mútuas e não com o ser humano integral: o cara que gosta de futebol, a mulher gostosa, o chefe que devo agradar, etc. Este tipo de relacionamento restrito está mais próximo daquele que acontece entre uma pessoa e um objeto do que aquele que poderia existir entre duas pessoas integrais.1
            Existem diversos motivos para que os relacionamentos interpessoais sejam restritos. Alguns desses motivos são legítimos e inevitáveis. Outros são resultados de distorções psicológicas e sociais. Este é o tema que será examinado neste artigo.

Tratando pessoas como objeto

Provavelmente você já ouviu varias vezes reclamações do tipo:
- Você me trata superficialmente.
- Você não confia em mim. Nunca diz o que realmente está sentindo ou pensando.
- Você nem olhou para mim. Não reparou que estou tenso.
- Você me trata como objeto e não como pessoa.
- Você não perguntou nada sobre o meu exame médico.
- Você me trata como objeto sexual. Só quer o meu corpo.
- Como você pode estar querendo transar comigo, se acabamos de brigar?
- A minha mãe não deixava faltar nada, mas não era afetiva, não brincava e não conversava conosco.
- Você acha que pode resolver tudo com dinheiro.
- Você não me ouve, não presta atenção em mim.
- Depois de todos esses anos, você ainda não me conhece!
- Assim que me vê, você se põe a falar. Não se interessa muito pelo que está se passando comigo, se estou disposto a ouvir tanto.
- Você coloca reparo em todo que digo. Você não me aceita como sou.
Aqueles que apresentam essas reclamações sentem que não estão sendo considerados como pessoas integrais. Quem os trata dessa forma, está ignorando diversos aspectos de suas identidades e sentimentos.

Relacionamento entre pessoas integrais

As seguintes afirmações são indicativas de um relacionamentos entre pessoas integrais:
- Sou todo ouvidos!
- Não se apresse. Tenho todo o tempo que você precisar.
- Quero conhecer você. Fale e aja como quiser. Estarei atento e observando você.
- Estou interessado no seu ponto de vista!
- Qualquer coisa que você queira e sinta é válido, embora eu possa sentir e querer algo diferente.
- Nunca alguém me ouviu com tanta atenção!
- Ela me olha atentamente. É como se bebesse as minhas palavras.
- Senti que não estava sendo julgado por aquilo que dizia.
- Ele sempre considerava com muita atenção quase tudo que eu falo e faço.
- O mais importante era como eu pensava e sentia e não os resultados práticos das minhas ações.
- Eles davam mais importância para os sentimentos e bem estar dos filhos do que para os resultados acadêmicos e econômicos de suas ações.
- Estou dizendo com polidez e cuidado o que realmente penso e sinto sobre o que você disse.
- Vou deixar você me conhecer. Tentarei expressar honestamente como sou e o que penso.

Relacionamentos restritos

            Todos os dias nos relacionamos com várias pessoas. No entanto, raramente estamos plenamente receptivos para elas e nem elas estão plenamente receptivas para nós. Raramente estamos livres e dispostos para percebê-las, vê-las, ouvi-las sem restrições e vice versa. Também não estamos muito dispostos para nos abrirmos com elas.
Infelizmente, na maioria dos relacionamentos, não percebemos direito as outras pessoas e nem somos percebidos por elas. Apenas as usamos e somos usados por elas para atingir certos objetivos.

Motivos para a indisponibilidade interpessoal

Alguns dos principais motivos que impedem o relacionamento pleno entre as pessoas são os seguintes:
Superênfase no econômico: vivemos numa época onde o valor das pessoas depende do que elas têm e não do que elas são.
Ocupados demais. Geralmente estamos ocupados com outras coisas e, por isso, não dispomos de muito tempo para nos relacionarmos com as pessoas. Ocupação é uma questão de prioridade: estamos mais preocupados e "ocupados" com coisas que achamos mais importantes, interessantes ou urgentes do para nos relacionamos de verdade com outras pessoas.
Obrigação. Em muitos casos, o tempo que dedicamos às pessoas é mais controlado pelo senso de obrigação do que pelo interesse que temos por elas. Tudo que é feito por obrigação é feito o minimamente possível para cumprir aquilo que é exigido.
Pessoas desinteressantes. Podemos sentir que não temos assunto para conversar com as pessoas e que elas, em si, são desinteressantes. Podemos concluir que já as conhecemos e, por isso, não esperamos que elas apresentem qualquer novidade interessante. Esse desinteresse também pode surgir porque achamos que já sabemos o que esperar delas ou porque achamos que já testamos anteriormente os tipos de conversa que däo certo  com elas.
Características não atraentes. Achamos as pessoas interessantes ou desinteressantes devido suas características demográficas (sinais de gênero, idade, nível econômico). Muito vezes esses critérios säo puramente preconceituosos.
Pragmatismo. As pessoas pragmáticas sentem que “não têm tempo a perder” e só querem conversar sobre coisas que tenham consequências práticas. Muitos pragmáticos também acham que conversar sobre coisas pessoais e que não tenham consequências práticas é piegas. Este tipo de pessoa também está mais preocupado em conversar sobre algo que garanta o sucesso da conversa e não em ver o interlocutor como uma pessoa integral.
Objetivos limitantes. Muitas vezes a conversa é canalizada por aquilo que queremos da outra pessoa ou por aquilo que queremos que ela pense a nosso respeito. Claro que é legitimo ter objetivos. No entanto, podemos tratar desse objetivo e, ao mesmo tempo, continuar atento para a pessoa integral e não só para aquilo que achamos relevante para este objetivo.
Preocupação em projetar uma imagem positiva. Muitas vezes nos apressamos em apresentar um determinado assunto para conversar porque tratar dele favorece a nossa imagem ou diminui a chance de sermos rejeitados.
Medo se expor. Temos medo da exposição. Tememos muito que as revelações de nossos pensamentos e sentimentos possam ser usadas contra nós. Esse medo pode ser exacerbado ao ponto de deixarmos revelá-los mesmo para pessoas mais próximas.
Pessoas demais para conviver. Há pouco tempo os seres humanos passaram a viver em grandes centros urbanos e, por isso, acabam se deparando no dia adia com uma quantidade muito grande de pessoas conhecidas e desconhecidas. Aparentemente só temos condições psicológicas para encarar certa quantidade de pessoas como “gente”. Por exemplo, só conseguimos desenvolver uma pequena quantidade de amizades íntimas. Por isso, tratamos muita gente como “não pessoas”.
Recusa para ser tratado integralmente. Muitas pessoas se recusam a serem tratadas integralmente porque acreditam que algumas de suas facetas são mais vantajosas: querem ser tratadas como autoridades, famosas, juízes, professores e não “como uma pessoa integral qualquer”!

Impessoalidade inesperada

O grau de impessoalidade dos relacionamentos varia muito. Algumas pessoas são muito impessoais com quase tudo mundo. Outras poucas são muito pessoais com muita gente.
Essa indisponibilidade para entrar em contato com a outra pessoa integral pode acontecer até mesmo com pessoas que gostamos e com as quais temos um tipo de relacionamento que preveria esse tipo de contato: esposa, filhos e amigos.

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