Você sabe calibrar o conteúdo da sua comunicação?



Quase tudo que comunicamos em uma conversa passa por um processo de edição. Nem tudo aquilo que está sendo sentido ou pensado pode ser expresso e nem tudo que é expresso está sendo sentido ou pensado: censuramos, cortamos, adaptamos, formatamos e fabricamos uma boa parte daquilo que comunicamos.
Expressar tudo que passa pela nossa cabeça seria desastroso: ficaríamos expostos a riscos, arruinaríamos a nossa imagem pública, ofenderíamos inúmeras pessoas... seríamos banidos do convívio social. Por outro lado, temos que apresentar uma boa dose daquilo que se passa conosco. Quem só simula ou dissimula não vive, mas representa!
Simular ou dissimular implica no gasto de energia extra porque, muitas vezes, quem age assim tem representar uma forma de agir e, simultaneamente, conter a expressão dos seus verdadeiros sentimentos e pensamentos.
Expressar sentimentos e pensamentos é energético
Quem expressa polidamente uma boa dose daquilo que está passando consigo traz vida para o diálogo, para si próprio e para o interlocutor. Além disso, quem age dessa forma geralmente é admirado pela sua coragem e originalidade.
Essa forma de agir produz energia para quem a adota porque, para participar de verdade de uma interação social, é necessário expressar, em um grau razoável, aquilo está sentindo, pensando e querendo. Agir assim torna a pessoa realmente presente na interação. Ela não está ali apenas prestando um favor ou disfarçando.
Revelar um pouco mais os sentimentos e pensamentos do que a maioria das pessoas costuma fazer tem efeito energético para o interlocutor porque ele observa os efeitos reais da sua forma de ser, pensar e sentir que são produzidos nos seus interlocutores. Essa forma de agir também é criativa, implica em riscos saudáveis e introduz um grau maior de imprevisibilidade na conversa, o que é um sinônimo de vida e desperta o interesse dos interlocutores.
A decisão de omitir ou trazer algo para a conversa dependem, respectivamente, da força inibidora ou promotora de “editores” que são empregados com essa finalidade. Por um lado, muita coisa é censurada. Por outro, muita coisa é introduzida na conversa não porque os seus participantes gostariam ou pensam daquela forma, mas devido às consequências que a outra forma de agir traria.
Censuramos, cortamos, adaptamos, formatamos e fabricamos vários aspectos da conversa: o tema, o conteúdo específico do tema, a forma de condução da conversa e o tempo dedicado a cada um dos seus setores.
Definição de inibidor
Um inibidor pode ser concebido como uma força oposta à emissão de um comportamento. Caso a força inibidora seja maior do que aquela que motiva a emissão do comportamento, este será omitido. Caso ela seja menor do que a motivadora, o comportamento será emitido. Quando a forca inibidora é poderosa, embora seja menor do que a motivadora para a emissão do comportamento, é possível que este seja apresentado com algumas alterações em relação àquele que seria apresentado, se esta inibição não estivesse presente. Neste caso, o comportamento emitido pode ser mais fraco, mais hesitante ou podem aparecer disfarces para apresentá-lo disfarçadamente: tropo comunicacional (fingir que ele está sendo dirigido a uma pessoa quando, de fato, é endereçado a outra), alusões, parábolas, etc.
Muitas vezes, quando há um conflito equilibrado entre as forças inibidoras e motivadoras de um comportamento, podem aparecer comportamentos deslocados: fazer algo aparentemente irrelevante para resolver o conflito. Por exemplo, quando uma pessoa está em grande dúvida entre confessar e não confessar para a namorada que quer terminar um relacionamento ela pode começar a brincar com um pedaço de papel ou coçar a cabeça.
Níveis de consciência da edição
O grau de consciência da edição e dos editores varia continuamente desde totalmente inconsciente até totalmente consciente.
Edição da consciência e da comunicação entre interlocutores
A edição da comunicação pode acontecer em duas áreas: (1) dentro da cabeça do próprio comunicador, afetando as informações entre o inconsciente e a consciência (“autoedição”) de uma mesma pessoa e (2) entre os comunicadores, alterando as informações que são passadas de um para o outro. O primeiro desses dois casos já foi abordado por diversas teorias psicológicas, principalmente pela psicanálise. Este teoria advoga que esse tipo de edição (“censura”) acontece porque certas informações provocariam ansiedade, caso se tornassem conscientes. Para evitar essa ansiedade, a censura reprime tais informações ou as deixa passar apenas quando estão disfarçadas, como acontece nos sonhos (deslocamento: algo que parece insignificante pode ser importante), lapsos linguísticos (trocar palavras), projeções (atribuir ao outro uma coisa sua) e introjeções (atribuir a si algo do outro) de informações.
A edição por parte do interlocutor pode ser realizada de uma forma sutil, como não mostrar muito interesse ou entusiasmo pelo tema do outro, ou óbvia, através de expressões do tipo “Não quero falar sobre isso”.
Os níveis de intencionalidade e consciência com que as edições são praticadas variam muito. Muitas vezes, os participantes de uma conversa não sabem apontar as suas contribuições para que ela tenha prosperado ou fracassado. Esse desconhecimento ocorre porque tais contribuições foram realizadas quase que inconscientemente e de uma forma automatizada. Essa inconsciência comunicativa é do mesmo tipo que ocorre ao guiar um carro. Quem tem bastante prática de direção faz isso automaticamente, sem ter que pensar nos seus movimentos e decisões.
1. Edição promotora ou inibidora de aspectos da conversa
As decisões de apresentar ou omitir alguma coisa na conversa dependem, respectivamente, da força inibidora ou promotora de seus “editores”.
As edições de conversas podem ser classificadas como promotoras ou restritoras. A edição promotora é aquela que adiciona coisas à conversa. As regras da polidez, por exemplo, podem pressionar para que uma conversa indesejada seja iniciada, certos temas sejam abordados, coisas específicas sobre o tema sejam ditas e determinadas formas e durações de cada parte da conversa sejam adotadas. A edição restritora é aquela que subtrai, atenua ou disfarça aspectos da conversa. Ela pode, por exemplo, provocar a evitação de uma conversa, de um tema ou de uma forma de conversar. Muitas vezes, uma combinação de forças promotoras e restritora promove a adoção de formas evasivas e indiretas de apresentar e abreviar assuntos. Isso acontece, por exemplo, quando é adotada uma agenda oculta (o objetivo secreto de uma pessoa é vender algo e não tornar-se amigo de outra pessoa, por exemplo) ou quando é apresentada uma insinuação sobre o mau caráter de uma pessoa.
Vamos tratar aqui apenas da edição restritora. A edição promotora geralmente é abordada nos textos sobre a polidez ou que tratam das normas sobre como agir em determinadas situações.
Edição restritora
Não tentamos introduzir na conversa todos os assuntos que passam pela nossa cabeça, nem todos que interessam a nós ou aos nossos interlocutores. Estamos sempre calculando como nos sentiríamos abordando cada tema e quais seriam as possíveis consequências de abordá-lo. As consequências por abordá-lo ou por não abordá-lo determinam as chances dele efetivamente se transformar em tema de conversa.
2. Edições adequadas e inadequadas
Qualquer comunicação proporciona para seu comunicador, para aquele que a recebe e para terceiros, um conjunto de consequências positivas e negativas. O saldo resultante da subtração entre esses dois tipos de consequências é um dos determinantes do grau de adequação da comunicação.
Uma edição é adequada é aquela que reduz as emissões de comportamentos que produzem consequências negativas e aumenta as emissões de comportamentos que produzem consequências positivas. Essas consequências podem ocorrer a curto, médio e em longo prazo. Elas podem ser psicológicas e materiais.
3. Edições de componentes da conversa
Geralmente todos os componentes de uma conversa sofrem algum tipo de edição.
Os principais componentes que geralmente são editados são os seguintes:
- O grau de interesse em participar da conversa. As pessoas sempre administram a apresentação de pistas que revelam quanto querem ou podem conversar em um dado momento.
- O grau de interesse em cada tema da conversa. O grau de interesse por cada um dos temas da conversa varia muito entre os participantes. Muitas vezes, um dos interlocutores sofre pressões para fingir que está interessado em um tema. Uma dessas pressões é o grau de interesse pelo tema demonstrado interlocutor.
- A posição pessoal em relação a cada tema e em relação a aspectos do tema que está sendo tratado na conversa. Por exemplo, as pessoas administram as informações sobre as suas concordâncias ou discordâncias em relação aos pontos de vista do interlocutor e em relação aos temas que estão sendo abordados na conversa.
- A dosagem preferida de profundidade e detalhamento preferido para tratar cada tema da conversa.
A edição da profundidade que um tema é tratado em uma conversa depende dos interesses do falante e do interlocutor, do tempo que dispõem para isso, da necessidade de tratar de outros temas, das exigências do próprio tema (certos temas exigem uma abordagem mais ou menos profunda e extensa do que outros) e dos objetivos da conversa.
- As durações. As durações de vários aspectos da conversa são continuamente editadas. Por exemplo, as durações da conversa, de cada tema, das ocupações dos papéis de ouvinte e falante são regulados continuamente pelos interlocutores.
A forma como a conversa transcorre
Exemplos: A conversa pode transcorrer de uma forma amistosa ou hostil. A conversa pode transcorrer na forma de perguntas e respostas ou interrogador e interrogado.
A formatação da conversa pode torná-la mais agradável ou aversiva
A edição pode ter o objetivo de tornar a conversa mais agradável ou desagradável para si e para o interlocutor. Exemplos de diretrizes desse tipo que constam em alguns manuais de conversa:
- Escolher bem as palavras para que elas sejam agradáveis e não ofensivas
- Quando quiser reclamar, usar frases construídas com o pronome “eu” ao invés do pronome “você”. Falar dos próprios sentimentos e pensamentos ameaça menos o interlocutor do que apontar as falhas dele.
- Usar contestações indiretas. Não dizer “Você está errado”. Ao invés disso, procurar adicionar algo do tipo: “Interessante esta hipótese. Será que existe outra para explicar o mesmo fenômeno?”
- Procurar fazer com que o interlocutor sinta que está sendo consultado.
4. Edição das comunicações do falante e do ouvinte
Geralmente os comportamentos do falante e os do ouvinte são editados positiva e negativamente. Ambos os interlocutores estão sujeitos a pressões sobre o que devem e sobre o que não devem fazer durante a conversa.

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