O Banco Central divulgou no final de abril um novo diagnóstico das movimentações de crédito no Sistema Financeiro Nacional (SFN) – uma espécie de raio-x de como o crédito é utilizado no no mercado nacional. Mesmo com uma perspectiva de crescimento menor que o previsto anteriormente, o saldo das operações no mercado brasileiro alcançou 3,3 trilhões de reais em março, representando uma leve expansão de 0,7%, em relação a fevereiro. Dessa fatia, mais da metade – 1,8 trilhão de reais – foi realizada por pessoas físicas, puxada em maioria pelas operações de crédito consignado, segundo o Bacen.
Ofertado por bancos, fintechs e instituições financeiras, o crédito consignado é uma das boas alternativas aos que estão a procura de um empréstimo mais saudável e com taxas menos nocivas à saúde financeira – diferentemente de modalidades como cheque especial, rotativo do cartão e o empréstimo pessoal, por exemplo.
Quando as modalidades são comparadas, por exemplo, evidencia-se essa disparidade. No consignado, o patamar médio da taxa de juros está atualmente em 23,6% ao ano. Já as médias para o cheque especial (322%), o rotativo (299%) e o empréstimo pessoal (120%) ultrapassam a casa dos três dígitos ao ano.
Mas, atenção: para usufruir do consignado é preciso ser funcionário do setor público e privado, além de ser beneficiário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
E, justamente por ser voltado para CLTs, funcionários públicos e aposentados, que a modalidade dispõe de taxas mais baratas. Isso porque, ao optar pelo consignado, o cliente autoriza que a instituição desconte as parcelas de quitação do empréstimo diretamente da folha de pagamento – o que mitiga o risco de inadimplência.
“No caso das modalidades mais caras (cheque especial e rotativo do cartão), o limite do crédito já está pré-aprovado, portanto, o risco é maior por não haver uma análise antes”, explica Filipe Pires, professor do MBA de economia e finanças do Ibmec-RJ. “Já no consignado, o banco analisa a conta-salário e a fonte pagadora. Assim, ele consegue analisar melhor caso a caso e evitar a inadimplência”, completa.
Novas regras para o crédito consignado
Por ser uma modalidade muito procurada, principalmente por aposentados e pensionistas, o governo do ex-presidente Michel Temer publicou no final de 2018 novas regras para o crédito consignado. Os objetivos eram combater fraudes e diminuir o assédio comercial por parte das instituições financeiras.
Entre as normas, destacam-se duas: a oferta do consignado para novos aposentados e pensionistas só poderá ser realizada após 6 meses da concessão do benefício; e maior acesso a informações sobre o cartão de crédito consignado e a assinatura de um Termo de Consentimento Esclarecido.
A primeira regra foi motivada pelo alto número de reclamações recebidas quando às ofertas – 97 000 ao todo – pelo INSS por parte dos segurados, entre 2016 e 2017. A segunda regra deriva de um acordo firmado entre o instituto, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Defensoria Pública da União (DPU).
A ideia é que os contratos sejam explicados de forma mais simples ao clientes, expondo clara e objetivamente todas as condições do crédito consignado – o que ajuda a evitar a escalada do mal endividamento dos brasileiros.
Mas, como a modalidade funciona?
Embora seja muito utilizado, ainda existem muitas dúvidas e fake news sobre o funcionamento do consignado – e como solicitá-lo.
A fim de esclarecer principais pontos sobre o crédito, a Revista Digital Creditas conversou com Filipe Pires, professor de finanças do Ibmec-RJ, que explicou o que é mito e o que é verdade. Confira a seguir:
1- Preciso ser funcionário público e/ou ser CLT para conseguir o empréstimo
(VERDADE)
Sim, pois o crédito consignado é uma modalidade de empréstimo pessoal concedida para trabalhadores (com algum tipo de vínculo empregatício com uma empresa, seja pública ou privada) e beneficiários da previdência social INSS.
O professor Filipe Pires explica que somente trabalhadores que se enquadram nos níveis citados acima têm direito a essa opção de empréstimo. Microempreendedores Individuais (MEIs) e profissionais autônomos não entram nesse grupo.
É importante se atentar ao fato de que as taxas de juros para os setores público e privado mudam de acordo com a política de cada banco. Em média, as condições costumam ser mais flexíveis aos servidores públicos e beneficiários da previdência social.
2- A modalidade me permite solicitar qualquer valor
(MITO)
Essa sentença não é verdadeira. Pela lei nº 10.820/2003, cada cidadão pode comprometer até 30% renda líquida mensal com o crédito consignado.
O teto de comprometimento da renda foi estabelecido legalmente para proteger os consumidores do mau endividamento e auxiliar na manutenção de juros menores para o consignado.
“É uma forma de proteção. Se não for bem planejada, a dívida acaba se tornando impagável”, diz Pires. “Então para que a inadimplência se mantenha nos requisitos para fazer com que os juros sejam os mais baixos possíveis para o cliente, se faz necessário esse dispositivo legal”, explica.
3- Meu salário é a garantia para conseguir o empréstimo
(VERDADE)
Diferentemente do empréstimo com garantia, o consignado tem no vínculo empregatício e, principalmente, no salário, a “garantia” para liberação do crédito. Dessa forma, o desconto do pagamento do montante emprestado ocorre diretamente em desconto na folha de pagamento do cliente.
Já em caso do consumidor perceber que necessita de um valor maior do que solicitado anteriormente – com o salário como “prova de pagamento”, a garantia oferecida pode ser dada por meio de uma parcela do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Porém, fique atento: as taxas de juros podem mudar quando se solicita esse dinheiro extra no empréstimo devido ao risco de demissão por justa causa.
“O banco permite que você ofereça até 10% do seu FGTS. Mas com isso, ele vai incluir um tipo de seguro nos juros para o caso de demissão por justa causa, evitando o impedimento de acesso ao fundo”, alerta Filipe Pires.
4- Devo fazer pagamento antecipado para conseguir o empréstimo
(MITO)
Um alerta muito importante sobre esse item: nenhuma operação de crédito pede pagamento antecipado. Trata-se de casos de fraudes.
O Banco Central alerta que o consumidor nunca faça qualquer pagamento prévio para contratação de um serviço como análise de crédito, negociação por uma margem maior de empréstimo, entre outras possíveis facilidades.
Segundo Pires, o cliente que busca o empréstimo pode parecer ‘presa fácil’ para golpistas e instituições fraudulentas que pedem depósitos ou transferências antecipadas. Ainda de acordo com o especialista, a procura pelo crédito, quando motivada por um momento de urgência, traz fragilidade emocional e, consequentemente, abre espaço para que a fraude se concretize.
A dica nesses casos é se acalmar, recusar a oferta e buscar os órgãos de defesa do consumidor para checar a procedência da companhia e, em situações de golpe, denunciar.
“A urgência pode causar fragilidade. Então, se há uma cobrança por parte do intermediário, o ideal é procurar o Procon imediatamente para fazer uma denúncia, mesmo que anônima, mas com todos os dados da empresa”, orienta Filipe Pires.
5- O empréstimo consignado dispensa análise de crédito
(MITO)
A análise de crédito também é uma regra utilizada por essa modalidade para liberação da quantia desejada. Quando comparada com outras modalidades, como o empréstimo pessoal e o cheque especial – que têm limite pré-aprovado, ela se torna ainda mais criteriosa, justamente pelo crédito ser liberado somente após o acesso total às informações bancárias do consumidor.
Esse diagnóstico é um dos responsáveis pela diferença nas taxa de juros fixada para cada pessoa, já que se leva em conta o comportamento e situação legal da empresa ou instituição que paga mensalmente o tomador do empréstimo.
“A análise vai verificar a fonte pagadora e se ela atrasa o pagamento, por exemplo, o rating (nível de confiança) cai”, afirma Filipe Pires. “Nesse caso, a taxa de juros acaba sendo mais elevada para equilibrar o risco de atraso (no pagamento das parcelas)”, completa o professor.
6- Só posso solicitar o crédito consignado no banco em que sou correntista
(MITO)
O consumidor não precisa tomar empréstimo em instituições onde é correntista. Ou seja: tanto funcionários do setor privado, quanto servidores públicos podem solicitar o crédito consignado em qualquer instituição. Em casos do cliente ter contratado o empréstimo em uma empresa, mas queira trocá-la, a mudança pode ser feita sem empecilhos.
Uma opção a se considerar se a busca por uma outra instituição for o caso é pesquisar pelas fintechs – empresas que inovam no mercado financeiro por meio do uso de tecnologia. Elas fazem a intermediação entre o cliente e a empresa para baixar as taxas de juros e melhorar as condições das parcelas, que são descontadas na folha de pagamento do funcionário. A fintech Creditoo, por exemplo, oferece esse serviço de forma 100% online.
Fora a solicitação, é possível transferir a conta-salário para a instituição que melhor lhe atender antes de firmar o contrato do consignado – o que evita a necessidade de se dar início ao processo de portabilidade.
Cada banco possui um processo próprio que pode ser consultado diretamente na agência ou pelos sites das instituições. O ideal é sempre checar todas as informações e sanar eventuais dúvidas antes de tomar o valor emprestado.
7- Aposentados e pensionistas só podem solicitar o crédito em bancos estatais
(MITO)
Os aposentados e pensionistas podem se dirigir a qualquer outro banco que não seja estatal para solicitar o crédito consignado – seguindo o processo determinado pela instituição em que se deseja tomar o empréstimo.
O professor do Ibmec-RJ inclusive recomenda que o beneficiário analise bem as condições de contratação em inúmeras instituições, e não apenas em estatais. Dessa forma, é possível conseguir fechar com a empresa que ofereça as melhores condições de juros e pagamento.
8- Se eu perder o emprego, o empréstimo é suspenso
(MITO)
Dúvida recorrente na hora de contratar o empréstimo consignado, a demissão ou exoneração (aos servidores públicos) – com ou sem justa causa – não ocasiona a amortização automática da dívida.
Para se proteger contra esse risco, os bancos adicionam cláusulas no contrato do crédito consignado. Por meio delas, eles garantem que uma porcentagem do acerto demissional vá direto para a quitação das parcelas. O montante, porém, não pode ultrapassar 30%.
Ao tomar o empréstimo consignado, então, é necessário se atentar a essa cláusula do contrato – e contar com o risco da demissão na hora de fazer o planejamento financeiro. Isso poderá evitar dor de cabeça em casos de demissão.
“Em casos de demissão, o banco antecipa uma parte do valor para minimizar o risco dele de não receber as parcelas no futuro”, explica Pires. “É fundamental estar ciente do quanto pode ser debitado nesse caso para não ser pego de surpresa”.
9- Posso fazer mais de um empréstimo consignado
(VERDADE)
Sim, o cliente é livre para fazer quantos empréstimos quiser. Isso acontece, pois a o empréstimo consignado está relacionado ao limite de comprometimento de renda – que vai de 5% a 30% da renda do cliente. Portanto, o que importa é o valor dos créditos e não a quantidade de contratos.
Mas, ao tomar dinheiro emprestado com duas ou mais instituições, o cliente deve se atentar e avaliar se isso é realmente necessário – já que as chances de se conseguir melhores condições de contratação caem gradativamente a cada análise de crédito.
“O banco vai levar em conta aquela primeira contratação e considerar esse risco. Isso pode influenciar na análise de crédito e aumentar os juros que o cliente vai pagar”, detalha Pires.
10- Posso colocar um avalista para conseguir o crédito e diminuir o risco
(MITO)
O crédito consignado está vinculado diretamente ao CPF do consumidor e é intransferível. Portanto, não existe a possibilidade de colocar um terceiro para pagar as dívidas em caso de inadimplência.
Filipe Pires justifica que a figura do fiador é substituída pela fonte pagadora, ou seja, a empresa, organização ou instituição que paga o salário ou o benefício do cliente.
“O risco é mitigado com acesso ao fluxo de renda da pessoa. Então, a empresa ou instituição pagadora é quem valida essa previsibilidade do fluxo de renda”, explica o professor. “Por isso a modalidade não aceita fiador.”