Conhecida como PL da Fake News, iniciativa é alvo de críticas de grupos de defesa de direitos na internet
O Senado Federal vota nesta terça-feira (2) um projeto de lei polêmico que restringe a atuação de contas falsas e bots nas redes sociais. Conhecido como "PL das fake news", o texto foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), em parceria com os deputados Felipe Rigoni (PSB) e Tábata Amaral (PDT), com a proposta de combater a disseminação de notícias falsas nas plataformas digitais.
As medidas, contudo, são questionadas por entidades de defesa de direitos digitais. Os críticos pontuam a falta de debates suficientes sobre os pontos descritos na proposta, além de possíveis violações do direito à liberdade de expressão e a concentração excessiva de poder nas mãos das redes sociais. Por outro lado, defensores argumentam que as regras exigem mais transparência das plataformas e concedem aos usuários canais para questionar ações das empresas.
Se aprovado, o texto seguirá para tramitação na Câmara dos Deputados.
Críticas ao projeto de lei
Inicialmente, o projeto de lei visava caracterizar o que é desinformação e atribuir métodos para as redes sociais combaterem conteúdos enganosos. O texto determinava a obrigação das plataformas digitais apontarem a todos os usuários o caráter desinformativo de uma publicação. Esse processo seria apoiado por agentes de verificação independentes, incluindo veículos jornalísticos.
A ideia recebeu críticas por transferir um poder de política de conteúdo às plataformas para determinar que publicação deve ou não ser considerada verdadeira. Além disso, organizações apontaram que o projeto tratava do conceito de desinformação vagamente, sem contemplar muitas das complexidades do problema.
Em editorial, o Aos Fatos, agência de jornalismo de checagem de fatos, apontou que a proposta desconsidera que a desinformação não decorre somente do compartilhamento artificial de conteúdo na internet.
"Com isso, a iniciativa não só confunde desinformado e desinformador, mas demanda das plataformas a entrega de dados de comportamento de qualquer usuário que teve uma publicação marcada como falsa ou enganosa para que seja possível comprovar autenticidade e intencionalidade.", diz o editorial do Aos Fatos. O veículo afirma que até mesmo o conceito de verificação presente no projeto é escrito "de modo atravessado" e se resume apenas ao escrutínio de conteúdos não oficiais.
Novo foco
Após as críticas, os autores do PL da Fake News retiraram a desinformação do centro do projeto e transferiram o foco da legislação para o combate de contas inautênticas e o uso malicioso de ferramentas automáticas de difusão de conteúdo.
Vale lembrar que existem bots programados para operar tarefas importantes e benéficas a sociedade, como é o caso do robô da OMS, que esclarece dúvidas sobre a pandemia de coronavírus.
O novo texto atribui ao Comitê Gestor da Internet a responsabilidade de criar um grupo multissetorial para discutir uma outra proposta contra informações enganosas. Este grupo ainda recebe a tarefa de definir o que é desinformação e criar um código de boas práticas para verificadores.
"Nosso foco é tirar de circulação as ferramentas que são usadas criminosamente: contas falsas e redes ilegais de distribuição e desinformação", disse Alessandro Vieira, em entrevista coletiva.
Senador Alessandro Vieira. Imagem: Senado
O projeto proíbe perfis que tem como proposta se passar pela identidade de terceiros. Para inibir essa prática, o texto determina que as empresas solicitem obrigatoriamente o número do documento de identidade de um usuário durante o processo de criação de contas. As redes sociais ainda devem limitar o número de perfis vinculados a uma mesma pessoa.
Além disso, o PL impõe que os usuários sejam obrigados a informar se pretendem empregar disseminadores de conteúdos artificiais - mecanismos automáticos de envio de mensagens - ou a atuação de ferramentas de serviços de intermediários nesta mesma categoria. Qualquer conta que use um disseminador artificial não declarado às redes sociais é considerado ilegal.
A iniciativa ainda veda a ação de disseminadores artificiais que reproduzam conteúdo desinformativo e proíbe a publicação de conteúdos patrocinados não comunicados às plataformas. O texto altera a lei de organização criminosa para classificar pessoas que se organizarem para criar contas inautênticas ou redes de bots ilegais como grupos criminosos.
Defesa
Os autores do projeto defendem que a proposta promove maior transparência para as plataformas. Em publicação no Twitter, nesta sexta-feira (29), a deputada Tábata Amaral afirmou que a segunda versão do PL incorporou sugestões da sociedade e a iniciativa protege os usuários "pois prevê que, antes da rede social tomar qualquer ação referente ao conteúdo, os usuários devem ser notificados e devem ter a chance de provar que a informação não é falsa.".
O novo texto ainda determina que as empresas mostrem números de conteúdos removidos, promovidos e suspensos; total de bots e redes artificiais de disseminação e número de conteúdos rotulados. No entanto, em vez de determinar obrigatoriedades sobre a moderação das publicações, a proposta agora apresenta diretrizes de como as redes sociais devem proceder nesses casos.
Menos robôs: entre 9 e 15% de todas as contas do Twitter são de robôs e muitos deles não são identificados. O projeto prevê que as plataformas identifiquem esses robôs e não permita contas inautênticas nas redes.
"O PL recomenda como boa prática, ou seja, é opcional, que as plataformas notifiquem usuários que um conteúdo visualizado foi determinado como falso por verificadores de fatos. Assim, as redes combatem as #fakenews com informação, sem tirar nenhum conteúdo do ar.", afirmou Tábata Amaral, no Twitter.
Mais debate
Ainda assim, para alguns especialistas a própria votação do projeto requer mais transparência e discussão. "É um tema super complexo, que está em debate no mundo, e nem sabemos o texto que será votado nesta terça. Não é nem um pouco razoável acelerar a votação desse projeto", disse Mariana Valente, professora do Insper e diretora do InternetLab, uma das organizações que integra a Coalização Direitos na Rede, em entrevista à BBC.
Ao UOL, plataformas também apontaram preocupações. O Twitter afirmou em nota que o debate é importante e complexo, mas deve ser "amplo e cauteloso" para evitar riscos de supressão da liberdade de expressão e informação na internet.
Já o Facebook destaca o perigo do projeto resultar em insegurança jurídica para o setor. "Nos colocamos ao lado de organizações de defesa dos direitos na internet ao apoiar que projetos de lei sejam resultado de amplo debate público, para garantir que não representem ameaça à liberdade de expressão e para evitar que tragam insegurança jurídica ao setor", disse a rede social, em nota.
Nenhum comentário:
Postar um comentário