Responda o mais rápido que você puder à
seguinte pergunta: se alguém te desse dez reais para fazer o que
quisesse, mas dissesse que você poderia doar uma parte deste dinheiro a
uma instituição de caridade, você doaria? Se sim, quanto você doaria?
Agora, se possível, chame alguém próximo de você e peça para ele
responder à mesma pergunta, mas use uma instrução diferente – peça para
que ele pense por pelo menos dez segundos antes de responder à
pergunta. Uma série de participantes foram colocados em situações
parecidas com estas e os resultados foram relatados em um artigo recente na prestigiada revista Nature. O
propósito do artigo era entender se, quando agimos por intuição, nosso
primeiro impulso seria agir de maneira gentil ou egoísta. Além disso,
também foi investigado qual seria o nosso impulso caso pensássemos mais
detidamente sobre a decisão de ser gentil antes, ao invés de agir por
mera intuição.
Os atuais modelos de processamento dual propõem, em linhas gerais, que nossos pensamentos se dão de duas maneiras básicas:
de um modo mais intuitivo, automático e rápido ou mais reflexivo,
consciente e lento. Estas duas formas de pensar ocorrem o tempo todo e
se influenciam dinamicamente ao longo de nossas vidas, influenciando a
maneira como compreendemos o mundo e nos comportamos. Decisões tomadas
de maneira mais intuitiva são mais rápidas (exemplo: tente falar
rapidamente a resposta para a conta 1 + 1), enquanto que decisões
tomadas de maneira mais deliberada e racional podem tomar mais tempo
(exemplo: tente falar o mais rápido que puder a resposta para a conta
2,763 x 4,895).
Partindo destas ideias, três
pesquisadores da Universidade de Harvard se perguntaram se, quando somos
guiados pela intuição ao invés da razão (ou guiados pela razão ao invés
da intuição), o nosso primeiro impulso seria o de agir de maneira
egoísta ou gentil. Será que o nosso primeiro impulso é o de nos
beneficiarmos? Será que apenas quando refletimos melhor é que somos
capazes de superar este impulso egoísta inicial, e ai poderemos agir
mais generosamente? Os resultados que estes pesquisadores encontraram
foi que, quando agimos de maneira mais intuitiva e rápida, nossa
tendência é a de agir mais gentilmente.
Logo
no início de cada estudo, era dito aos participantes que eles
receberiam uma determinada quantia de dinheiro. Depois, era perguntado
se eles gostariam de oferecer uma quantia do dinheiro que receberiam
para um investimento comum com outras quatro pessoas que participavam do
mesmo estudo. O dinheiro que as quatro pessoas dessem seria duplicado e
distribuído entre os quatro participantes. Ao longo de dez estudos
conduzidos com mais de 2.000 participantes usando a metodologia de jogo dos bens públicos,
estes pesquisadores encontraram que a gentileza exibida por alguém é
maior quando sua decisão foi tomada mais rapidamente ou quando ela foi
forçada a tomar esta decisão mais rapidamente, ou seja, confiando na sua
intuição – quando era pedido aos participantes que eles esperassem dez
segundos até decidirem o quanto contribuiriam, eles agiram de maneira
mais egoísta. Além disso, quando foi usada a técnica de priming
para tornar os participantes “mais confiantes” nas suas intuições, eles
exibiram maior nível de gentileza quando comparados a participantes que
foram levador a confiar mais no seu raciocínio.
Mas o que explica estes resultados?
Porque a nossa intuição é direcionada para a gentileza ao invés de ser
para o egoísmo? Não faria mais sentido que o nosso impulso fosse
“garantir o nosso” primeiro? A explicação para estes resultados é que a
nossa intuição é moldada pelas interações cotidianas que estabelecemos
com os outros, interações estas que normalmente são repetitivas
(exemplo: você sempre encontra com o seus colegas no trabalho), colocam
nossa reputação em risco (exemplo: se você fizer algo inapropriado, como
estacionar em uma vaga de idosos sem ser um idoso) e podem trazer
punições para o nosso comportamento. Neste tipo de contexto no qual
vivemos, somos repetidamente estimulados a desenvolver uma “intuição
cooperativa,” e é esta tendência automática a ser gentil que os
participantes levaram para o laboratório. Entretanto, no jogo dos bens
públicos, ser gentil não é a melhor estratégia, pois você pode
facilmente ser o único a cooperar no seu grupo e não ser retribuído por
isso. A reflexão aumenta as chances de que os indivíduos percebam os
riscos que correm neste tipo de interação e isso diminuiria a
probabilidade deles serem mais gentis, o que se reflete nos resultados
que foram encontrados repetidamente no artigo comentado aqui.
Este artigo nos ajuda a compreender
melhor as bases cognitivas da gentileza, mas traz implicações não apenas
científicas. Os resultados deste estudo indicam que argumentos
racionais que busquem persuadir pessoas a agir cooperativamente, como
campanhas visando arrecadar fundos para causas sociais, podem ter o
efeito contrário do pretendido. Investir na intuição das pessoas parece
ser um caminho mais promissor, pois estes estudos mostram que quando
agimos pela intuição somos normalmente mais gentis do que quando
refletimos profundamente sobre a ajuda que daremos.
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