Correta – Tecnologia em Redação


Alguns temas são clássicos em vestibulares há décadas: a legalização de drogas e do aborto, a diminuição da maioridade penal, o fim do voto obrigatório etc., caso é que, geralmente, o politicamente correto impera entre as redações dos candidatos e isso parece ser legítimo, posto o medo destes com relação à maneira como seus textos podem ser avaliados.
Embora haja lógica nesse pensamento, é importante notar que as redações acabam navegando sobre os mesmos argumentos e exemplos – isso quando não acabam sendo forjados com expressões similares como “nos dias de hoje”, “cada vez mais”, “as pessoas estão” -, fato é que, caso a argumentação não fira os direitos humanos, não há problema em direcionar a argumentação para um lado menos ortodoxo.
Diante disso, em uma das aulas de produção de texto, a discussão versou sobre a indústria da beleza e como isso afeta o cotidiano de homens e, sobretudo, de mulheres. Trata-se de outro tema bastante recorrente que, como havia de se esperar, foi tratado seguindo as mesmas linhas argumentativas que o senso comum consagra, tornando as produções próprias daquelas antigamente cunhadas pela estereotipada expressão “redação escolar”, inclusive com a mesma noção quadrada de início, meio e fim.
Para tentar vislumbrar uma maneira diferente de abordar a temática, o texto que segue serve como sugestão:
 Seleção natural
Conta a História que Cleópatra pintava suas unhas para demonstrar sua superioridade hierárquica numa sociedade de submissos a ela, porém, que a consideravam pouco atraente. Pois é, até a rainha precisava apelar para a aparência para ser engajada no meio! Hoje não é diferente: embora o padrão de beleza tenha mudado, a busca pela perfeição estética vige e não poderia ser de outra forma, posto que vivemos a industrialização da imagem.
Quando Chaplin criou “Tempos Modernos”, criticou o modelo de produção em massa alienante pelo qual passava o mundo, mas se esqueceu de que eram tempos exponenciais, nos quais padrões de produção, pensamento político e educação tornavam a sociedade moderna mais organizada, haja vista a necessidade de se estabelecer ordem em realidades cujas populações cresciam exorbitantemente em pouco tempo.
Nesse sentido, podemos entender o presente: como sendo uma consequência da massificação de padrões, não só morais, como estéticos e, por que não, políticos. O bem x o mal, o lindo x o horroroso são exemplos de dicotomias que se identificam, assim como a democracia x a ditadura. Há leis para estabelecer uma padronização de ações e pensamentos, isso é imposto e reflete nossas relações em sociedade: roubar é feio, matar é feio, ser corrupto é feio, vestir-se relaxadamente é feio. Por isso, espera-se que haja adaptação à realidade que se apresenta, caso contrário, o indivíduo sofrerá as sanções sociais que reprimem quem foge à lei.
Uma pesquisa da Dove Global Study mostrou que as mulheres buscam a perfeição de maneira “exagerada” porque pensam em mudar algo no corpo, por terem vergonha de sair quando se sentem feias, por fazerem sexo às escuras sentindo vergonha de quem são. Ora, nada mais natural: se a competitividade em sociedade estreitou suas possibilidades de conquista de espaço e de aceitação com o sexo oposto, esse é mesmo o caminho para aquelas que querem sobreviver.
Gioconda, de Da Vinci, só é uma obra de arte valiosa porque conseguiu exatamente o contrário: fugiu dos padrões, conquistou pelo enigma, não quis modificar o “status quo”, apenas mostrar o que é, o que “será que será?”. Por isso é rara. Para tanto, existem as exceções. Darwin elegeria como matriz/matrix Angelina Jolie.
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Ainda não sabemos escrever, mas aprendemos a fazer miojo

Francisco Johnscher Neto
A recente divulgação de redações contempladas com nota máxima no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) 2012 mesmo contendo graves desvios da norma padrão da língua escrita, bem como de uma redação que incluía uma receita de miojo e não foi anulada, trouxe novamente à tona os debates sobre a confiabilidade do exame.
Apesar de todos os esforços do MEC e do Inep para tornar a avaliação mais transparente, ainda não foi desta vez que deixou de provocar polêmicas – e certamente não terá sido a última. Aliás, discutir métodos de avaliação – e quem convive no meio acadêmico sabe muito bem disso – será sempre polêmico, principalmente porque inevitavelmente envolverá algum grau de subjetividade.
Nesse sentido, o Enem já evoluiu muito ao adotar, na correção das questões de múltipla escolha, a Teoria da Resposta ao Item. Alguns poderão até questionar sua validade, mas é incontestável que se trata de um modelo estatístico moderno, amplamente empregado na avaliação de habilidades e competências em todo o mundo. A TRI, além de permitir a comparação dos resultados de alunos submetidos a provas diferentes e em épocas diferentes, elimina qualquer subjetividade na atribuição da nota.
Infelizmente, não é o que acontece na correção das redações. Por mais que se detalhem critérios, estabeleçam-se competências e exemplifiquem-se os erros considerados graves ou leves, não há como excluir a subjetividade na avaliação de um texto. Linguagem não é uma ciência exata. Um problema de matemática ou de física admite uma resposta única; uma proposta de redação, não. Portanto, a nota de uma redação estará, sempre, sujeita às convicções, ao temperamento, ao estado emocional e ao nível de conhecimento do corretor.
É por isso que, no Enem, cada redação passa por dois avaliadores, cujas notas não podem divergir por mais de 200 pontos no total ou 80 em cada uma das cinco competências avaliadas. Havendo divergência maior, a redação é corrigida por uma banca composta por outros três examinadores, que, em conjunto, atribuem a nota definitiva. Tudo isso diminui – mas não elimina, ainda mais num exame da magnitude do Enem, que envolve milhões de provas e centenas de corretores – a possibilidade de um texto muito ruim, por exemplo, receber a nota máxima 1000.
Pois são exatamente esses casos que ganharam o destaque da mídia. As tais redações que continham erros graves e receberam nota máxima obtiveram 1000 pontos dos dois corretores que as avaliaram. Do mesmo modo, a “receita de miojo” não foi anulada por ambos os avaliadores (embora devesse, pois a não obediência à estrutura dissertativo-argumentativa – e esta foi quebrada quando o candidato, ao discorrer sobre a imigração para o Brasil, narrou como se prepara o macarrão – é uma das razões para se atribuir zero a uma redação, segundo o próprio Inep).
Cabem então alguns questionamentos: esses corretores foram bem orientados?; quem os orientou?; pode-se garantir que todos receberam exatamente as mesmas orientações?; casos como esses representam regra ou exceção?; que espécie de exigência se faz na seleção dos corretores?
Questionado, o mesmo Inep justifica a falta de exigência na qualidade das redações do Enem ao fato de os participantes ainda estarem em “processo de letramento na transição para o nível superior”. Ora, tal afirmativa possibilita duas outras leituras. A primeira é a de que os corretores não devem “pesar a mão”, isto é, devem “pegar leve”, assim se mascara o baixo desempenho dos estudantes no domínio da língua portuguesa; a segunda, a de que não se dispõe de profissionais qualificados para corrigir as redações, muitos deles talvez até desconheçam algumas das mais elementares regras ortográficas e gramaticais.
Seja qual for a leitura que se faça, louvável seria que as autoridades assumissem as falhas e demonstrassem a vontade de evoluir. Agora, convenhamos, dar a desculpa de que os estudantes ainda estão em fase de “alfabetização” é no mínimo ridículo. Mais ridículo ainda vinda de quem veio, de quem se espera inteligência e comprometimento com a educação brasileira. Se o ensino básico não der conta desse “letramento”, quem vai fazê-lo? O ensino superior? A sociedade? De que modo se, supostamente, também o seu letramento não foi concluído?
Está mais do que claro que é, sim, função do Ensino Médio concluir o letramento dos nossos estudantes, ao menos dotá-los do que lhes é exigido para esse nível, conforme o que está estabelecido nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais). Aliás, não custa lembrar que o Enem foi concebido justamente com a finalidade de avaliar se o Ensino Médio vem cumprindo seu papel. Há, então, uma incoerência no discurso das “autoridades”: fazemos uma prova nacional para avaliar a qualidade do ensino, depois relevamos os erros cometidos pelos alunos porque ainda estão em formação… e acabamos não avaliando nada! Quanta sabedoria… Mas só isso é pouco, ainda podemos fazer mais: usar essa “não avaliação” como critério de seleção para o ingresso nos cursos superiores! Mentes brilhantes, essas…
Apesar de tudo, o Enem ainda pode dar certo, desde que seja resgatada a sua essência, que é a de realmente avaliar a qualidade do ensino brasileiro – e utilizar essa avaliação para melhorá-lo. Nesse sentido, é preciso, sim, haver mais rigor e qualidade na avaliação das redações, principalmente porque esta tem caráter seletivo. Para muitos alunos, a “mão mais leve ou mais pesada” do corretor pode significar a diferença entre ingressar ou não em uma universidade. O Enem pode, sim, se tornar um ótimo instrumento de avaliação e seleção. Para isso, basta ao Inep uma boa dose de boa vontade. E um pouco de competência. Para os estudantes, menos miojo. E mais sopa de letrinhas. 

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