Empresas 'blindam' Wi-Fi para evitar ações na Justiça por crimes na rede


Medidas vão de monitoramento ao armazenamento de dados pessoais.
Segundos advogados, prática não fere privacidade pessoal.


Helton Simões GomesDo G1, em São Paulo

Diante da possibilidade de terem que responder judicialmente por eventuais atividades ilícitas de clientes na internet, estabelecimentos que fornecem acesso Wi-Fi gratuito formulam estratégias de blindagem, que passam pelo armazenamento de informações de clientes e pelo monitoramento do que é acessado em suas redes.
As práticas são descritas nos termos de compromisso que costumam anteceder a autorização para permissão de acesso a redes de Wi-Fi. No entanto, escritórios de advocacia passaram a incluir as regras de acesso gratuito a redes sem fio na prática de “criminal compliance” (análise de quais atividades corporativas podem permitir atos ilícitos).
O escritório Nogueira, Elias, Laskowski, Matias Advogados é um deles. Segundo o advogado Jayme Petra de Mello Neto, “ao longo dos anos, percebe-se que há o recrudescimento a respeito de quem fornece o Wi-Fi”. Com isso, explica, a navegação de internautas nessas redes fica mais controlada.

“Eu não consideraria uma agressão à privacidade pessoal, não”, afirmou Eduardo Otero, sócio do Daniel Advogados, para quem “as cláusulas são lícitas desde que não ocorra a divulgação dos dados de usuários”.
“Para empresas que recebem um fluxo maior de visitas, a orientação é que haja ferramentas de maior controle, ou de maior ‘espionagem’ mesmo. É ilegal? Eu não acho que seja ilegal. Quando você fornece o serviço, tem o direito de monitorar quais sites esses usuários estão acessando.”
Otero exemplifica que um abuso ocorreria se o estabelecimento provedor do Wi-Fi utilizasse os dados de navegação dos consumidores para enviar publicidade e ofertas de produtos.
Cafeteria condenada
Isso ocorre porque estabelecimentos incautos podem responder na Justiça caso alguma atitude ofensiva seja tomada na web enquanto são eles os provedores do serviço de internet.
Em 2006, uma cafeteria foi condenada. Atualmente, há pelo menos três casos similares em andamento de estabelecimentos investigados ou processados, informa o advogado.
Um deles corre com segredo de Justiça no Pará desde meados de 2012, por isso os nomes são preservados. Um indivíduo usou a rede Wi-Fi de uma universidade particular para criar um perfil falso no Facebook em que ofertava os serviços sexuais de uma conhecida mulher da região.
A promoção era obviamente falsa, a mulher em questão se sentiu ofendida e resolveu entrar com um processo para apurar os responsáveis. Por fornecer os meios para a difamação, a universidade é o alvo da ação, não o internauta anônimo.
Rede do escritório
Em outro caso, investigado pela polícia de São Paulo desde o começo de 2013, um indivíduo utilizou o Wi-Fi de uma seguradora para combinar detalhes de uma festa. Convidou amigos e avisou de que levaria ecstasy, o que configura tráfico de entorpecentes.
Para evitar o incômodo, o escritório já fez a adequação da oferta da internet sem fio de duas mineradoras e de uma construtora. Mas já prestou consultoria a outras empresas.
Mecanismos de defesa
A blindagem passa por três ações. A primeira é criar mecanismos para o usuário que queira se conectar se identifique. "Você não deixa que entrem na sua empresa nem pra tomar água se não passar antes na portaria para se identificar", comenta Mello Neto, para quem a grande tendência da jurisprudência é, em não existindo a identificação, responsabilizar quem fornece o sinal "por ter facilitado o ato".
A segunda é incluir, no termos de compromisso do acesso, cláusulas que permitam ao estabelecimento manter o histórico de navegação. O Centro Cultural de São Paulo, por exemplo, suspende por 30 dias ou permanentemente o usuário que infringir suas regras. O CCSP comunicou ao G1 que não ocorreram casos em que as sanções tivessem que ser aplicadas.
Apesar de oferecer acesso à internet via Wi-Fi, o centro não possui qualquer indicação visual em suas dependências de que fornece o serviço. Para usufruir do sistema, é preciso fazer um cadastro em duas fases. Primeiro, pelo site da Prefeitura da São Paulo. Depois, validando o registro pessoalmente no próprio CCSP.
Já a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) avisa que pode “comunicar atos ilícitos a autoridades policiais” e o material postado na internet enquanto a navegação é feita em sua rede pode ser usado para “produção de provas em procedimentos disciplinares, cíveis e penais”. A universidade não respondeu até a publicação desta reportagem.
O último recurso é monitorar palavras-chave e bloquear o acesso caso termos que sugiram infrações sejam buscados ou digitados, como palavras associadas a pedofilia, prostituição, agressões étnicas e terrorismo. Já fazem isso um hospital no Rio Grande do Sul e uma empresa aérea de São Paulo.

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