‘Robôs’ participam de pregões, compram ingressos e atuam na bolsa
Se quando pensamos em “robôs” a primeira imagem que temos é de uma máquina parecida com um humano, capaz de realizar uma série de atividades, a realidade é um pouco mais simples. “Robôs” também são softwares projetados para realizar uma única tarefa repetitiva, como preencher um formulário, de modo a beneficiar seu utilizador de alguma forma. E eles estão em todo lugar.Robôs podem realizar cliques ou preencher formulários como se fossem os verdadeiros utilizadores de um computador. Há robôs instalados intencionalmente e também aqueles que acabam chegando ao computador sem autorização, instalados por vírus para realizar alguma atividade.No final de maio, o jornal “New York Times” publicou um artigo detalhando a atuação de robôs na compra de ingressos on-line. “Cambistas digitais” fazem uso do software para esgotar rapidamente os ingressos de shows populares para revendê-los, impedindo que os verdadeiros clientes consigam realizar a compra e forçando todo mundo a pagar mais.A prática já chegou ao Brasil, mas não é muito comum, segundo Mauricio Aires, do site LivePass. Desde já, porém, medidas são adotadas para impedir a atuação desses softwares.“Os procedimentos vão desde o controle da quantidade de ingressos por um mesmo usuário, o monitoramento das vendas por um único computador, até a disponibilização de tecnologias para detecção de compras pelos programas robôs. Esse trabalho exige uma reavaliação constante dos procedimentos de segurança, uma vez que as práticas adotadas pelos desenvolvedores dos programas robôs são continuamente aperfeiçoadas, o que demanda um intenso trabalho de nossa equipe de tecnologia”, explica o executivo.O G1 também tentou contato com o site de venda de ingressos Ingresso.com. Os responsáveis pelo site disseram que não iriam comentar a reportagem.No Brasil, o uso de robôs também ocorre nos sistemas de governo eletrônico, como o pregão eletrônico que determina o fornecedor de alguma necessidade do governo. Empresários podem adquirir o software para realizar lances automáticos, garantindo um lance no último segundo que pode determinar o vencedor.O Ministério do Planejamento, que mantém o sistema Comprasnet, usado pela administração federal e autarquias, informou à coluna Segurança Digital que o sistema permite apenas um lance a cada 20 segundos. A medida, que passou a valer em janeiro de 2012, “foi tomada para reforçar a igualdade de condições entre os participantes”, segundo comunicado do ministério.O Banco do Brasil, que mantém o portal Licitações-e, não informou a existência de qualquer medida específica para impedir a atuação de robôs. O banco disse que a prática, embora não seja ilegal, deve ser “desestimulada” e medidas estão ainda em avaliação.A Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo também mantém seu sistema próprio de pregão, a Bolsa Eletrônica de Compras (BEC). No BEC, cada novo lance aumenta o tempo do pregão, de modo a impedir que a atuação de um robô possa garantir a vitória. “Esse tempo é de 3 minutos, prorrogado sucessivamente, desde que haja a formulação de lance válido até o último segundo, visando a identificar o licitante vencedor, detentor da melhor oferta, diante da desistência dos demais participantes do certame, momento em que é encerrada a etapa dos lances eletrônicos”, informou a secretaria, em nota.Robôs também atuam em bolsas valores. Embora qualquer um possa utilizar softwares que criam ordens de compra e venda, há um grupo específico de softwares que realiza a prática conhecida como High-frequency Trading (HFT). No HFT, investidores tiram proveito da rápida atuação de softwares para reagir imediatamente a pequenas mudanças no mercado, e podem inclusive se beneficiar de preços que ainda não se atualizaram para comprar ou vender a um preço diferente daquele que será praticado alguns milissegundos depois.No Brasil, o HFT representa 10% do volume de transações da Bovespa. Interessados em usar os robôs podem instalar servidores em um espaço fornecido pela própria bolsa de valores, tendo acesso direto e rápido aos dados. Nos Estados Unidos, a compra e venda por meio de HFT representou 50% do volume de transações nas bolsas de valores em 2012, e também há temores de que erros nos algoritmos poderiam causar prejuízos em larga escala na economia.No início de maio, especialistas da Nanex, que fornece serviços para corretores, fizeram um vídeo de 5 minutos (assista) mostrando a atividade de HFT de meio segundo nas ações da Johnson & Johnson. Eric Hunsader, diretor executivo da Nanex, explica que o HFT pode atuar nos milissegundos em que as informações das bolsas de valores são atualizadas, ou seja, um papel que já subiu pode ser adquirido com seu valor anterior menor. “Não há justificativa econômica para esse comportamento abusivo”, escreveu ele.Qualquer um pode ter um software robô.O engenheiro de software Igor Azevedo desenvolve um software robô que atua no Comprasnet, o sistema de pregão eletrônico do governo federal. Além de vender o software, Azevedo também vende um kit de desenvolvimento (SDK, no termo técnico) que permite que seu software seja adaptado para funcionar com qualquer plataforma de pregão eletrônico. Ele diz que qualquer pessoa que tem a condição de comprar um computador simples também pode comprar um software robô como o que ele oferece.“O funcionamento consiste em informar ao software qual item e o limite que você pode oferecer naquele item do pregão. Cada vez que alguém te passa ele rebate o lance novamente deixando-o sempre vencedor durante o pregão”, explica Azevedo.Para ele, quem não utiliza o robô não é prejudicado. O software seria apenas mais uma ferramenta de trabalho proveniente da evolução tecnológica. “É acessível a todos e usa quem quer. Desenvolvi estes softwares para auxiliar pessoas com mobilidade reduzida, diminuição do estresse e melhoria dos processos de trabalho. Porém, o software tomou notoriedade devido a sua funcionalidade de alta importância e hoje é usado por todos que desejam vencer os pregões eletrônicos”, afirma.A limitação de um lance a cada 20 segundos adotada pelo Ministério do Planejamento também não impede a utilização da ferramenta. “O software economiza alguns segundos em cada processo (digitar, calcular, decidir, enviar e confirmar). Dessa forma, no final estará alguns segundos à frente de quem não tem, mesmo esperando os 20 segundos. O que faz a grande diferença”, explica Azevedo.O engenheiro ainda diz que os robôs atuam em um ambiente que já não trata todos os concorrentes da mesma forma. Em seu site, Azevedo explica que cada computador com acesso à internet toma uma rota diferente para chegar ao sistema que contabiliza os lances. Isso significa que algumas empresas, que tiverem uma conexão mais próxima e rápida de onde o sistema está, saem privilegiadas. Ele diz não diz que o sistema é injusto, porém destaca que ”o fato é que igual não está”.Atuação de vírusRobôs podem ser instalados contra a vontade do usuário. Esses robôs podem enviar comentários automáticos em blogs ou realizar cliques em anúncios publicitários para redirecionar a receita de comissão para alguém ligado ao desenvolvimento das pragas que instalam os softwares.O vírus ZeroAccess é um dos que instala robôs no sistema para clicar em anúncio. Segundo estatísticas do final de 2012 divulgadas em um relatório da empresa de segurança Kindsight, a praga movimentava 260 terabytes de dados por dia – suficientes para transferir 65 mil DVDs -, gerando um prejuízo de US$ 900 mil (cerca de R$ 2 milhões) a anunciantes na internet com cliques falsos em suas peças publicitárias. São 140 milhões de “cliques” feitos pelos robôs.Outros robôs, que compram ingresso ou realizam cadastros em serviços, podem ser instalados quando existe um limite por endereço IP. Nesse caso, o operador dos robôs precisa do uso de máquinas infectadas para conseguir endereços adicionais de onde a ação pode partir, burlando a limitação
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